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Poema para uma pássara

Publicado em Poemas
Niterói, 1990


Pássara! Pássara! Não fujas!
Tantas buscas ainda temos das coisas claras!
Respira fundo, fecha os olhos um pouco,
esquece a tua cara
e lança-te da varanda, irmã, irmã, em profundo vôo.
De fato, o céu é um mar para o teu espírito
mas nele também é possível navegar o corpo:
há um infinito e bem no fundo há um afã
e este são estas humanas e imaginosas asas.
Pega teus braços, tua empiria
e movimenta-te, bate os braços em fantasia
que assim se anda no nada, assim se nada no espaço,
flutua-se assim à luz da manhã.

Mas tem cuidado, ave
pouco sobrou em ti das antigas penas:
em teu ventre uma penugem suave
e tua longa cabeleira apenas.
Proteção verdadeira não tens, estás nua e sem pelo,
pois não esqueça o ninho de madeira e pedra e palha
que hão de proteger-te do fogo e gelo
e também das horas
que correm dentro do sangue e nos estraçalha.
Tua casa é abrigo, não é gaiola
deixa-me ser teu amigo, aquele contigo que vai e volta.

Vai, segue adiante de ti,
atreva-te em direção dos teus peitos!
Mas não tão aríete, com mais jeito,
estão cheios de leite e querem fluir.

Pássara! Pássara! Não fujas!
Tantas buscas ainda temos das coisas claras
e tua carne sem máscara, assim tão nua, sem dúvida
há de iluminar-me a alma.
Não fujas de mim, não serei tua âncora,
não te prenderei na lama do fundo do mar.
Sei que voas no ar em busca de um Sol
mas tem cuidado, Ícara! Ícara! com o próprio Sol.

Pássara, ficarás pássara. Ícara, passarás.


Obs.: este poema inclui as seguintes colagens:
Poema para uma pássara (1)
Poema para uma pássara (2)


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