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O Caminho do Meio

Publicado em Artigos - Budismo
Boa Esperança de Cima, 1992


Imagem colhida em Happyness Fast

Caminho do Meio (Madhyama Pratipad, em sânscrito) é uma tradicional expressão budista que procura, de um modo sucinto, apontar o rumo àqueles que se propõem a dar seus primeiros passos em direção à sabedoria ou, pelo menos, ao alívio de seus conflitos.

É uma das imagens que brotam espontaneamente na alma sempre que ela é atormentada pelo Conflito dos Opostos, vale dizer, conflito de desejos ou necessidades que aparecem como absolutamente excludentes. É uma metáfora, uma das imagens recorrentes em todas as épocas e culturas sob as mais diversas formas e denominações, pois que representa um poderoso determinante da alma humana: o arquétipo da União (Conjunctio) especificamente a União de Opostos (Conjunctio Oppositorum, como diziam os alquimistas, em latim), a mais radical das uniões.

Jung e o Desconhecido – O discurso de Fu Daishi

Publicado em Artigos - Psicologia
Nova Friburgo, 1991



A palavra "Inconsciente", tanto e tão descuidadamente usada, banalizou-se a tal ponto que leva a crer que quem a usa sabe perfeitamente do que está falando. O Inconsciente, então, parece ter se tornado conhecido, parece que sabemos o que é, onde está, o que tem dentro, como se divide e subdivide... ledo engano.

Carl Gustav Jung não cansou de chamar a atenção para o importantíssimo fato de o Inconsciente ser precisamente Inconsciente, isto é, Desconhecido. Chega a causar surpresa que algo tão óbvio merecesse um tal cuidado.

Para a Índia, à espera de uma decolagem

Publicado em Diário de viagem
Rio de Janeiro, 05/01/1974


Maravilhosa ave esta a de metal prateado, nave pássaro prestes a levantar-me em seu bojo ao outro lado do mundo, ao mundo do outro lado; a arrancar-me da terra onde nasci e levar-me longe a um lugar de onde possa ver-me aqui. Preciso tomar distância, vencer altura, por escapar da infância, essa prisão num lar, de toda coisa futura. Ânsia por decolar, livrar-me do chão e jamais chegar.

No templo do Senhor dos Animais (Pashupatinath)

Publicado em Diário de viagem
Nasik, 05/01/1975


Praça Durbar, centro de Kathmandu. Domingo. A manhã está fria e úmida. Mas minha alma, não, está muito leve. Sigo caminhando com calma. Nem o sol, nem o céu, chamam muita atenção. De vez em quando cai uma garoa breve. Sinto falta de uma mulher, e uma fome constante, que a todo instante me fazem lembrar ser um animal qualquer. Mas não me sinto mal.

No Templo do Despertar (Bodhnath)

Publicado em Diário de viagem
Baudha, 05/01/1975


Depois de comer dois coa (doce de puro leite) e um chá (com leite) e dois vada sambar (bolinho de alguma coisa com um molho gostoso) continuei minha caminhada pela estrada que vai à Gokarna e Sankhu, vilarejos que vivem e crescem ao redor de seus templos (Gokarneshwar Mahadev e Sankhu Vajrayogini). Parece, aliás, que todos os vilarejos do Nepal vivem em torno de algum templo e das estórias de seus deuses. Essa estrada, próxima à margem direita do rio Bhagmati, passa por Baudha, o pequeno vilarejo que se esparrama aos pés do Templo do Despertar (Bodhnath).

No Templo do Senhor de Três Olhos (Trimbakeshwar)

Publicado em Diário de viagem
Trimbak, 16/02/1975


Em marathi, a principal língua desta região, no estado de Maharashtra, Trimbakeshwar significa "O Senhor de Três Olhos".

Tal Senhor é Shiva.

Seu terceiro olho, na testa, está sempre fechado. É um olho tão poderoso que só se abre quando o deus é tomado pela ira, prestes a fulminar e transformar em cinzas seu desafeto, mormente algum demônio terrível que ameaça levar o mundo de volta ao caos.

Foi o resultado de uma "brincadeirinha" de sua esposa, Parvati, que lhe tapou os olhos com as mãos, talvez exclamando: – adivinha quem é! – e quando imediatamente o mundo inteiro caiu em trevas. Imediatamente também, o terceiro olho surgiu para restaurar-lhe a luz.

Subida à Montanha de Brahma (Brahmagiri)

Publicado em Diário de viagem
Trimbak, 16/02/1975


Depois de sairmos do templo do "Senhor de Três Olhos" (Trimbakeshwar), eu e Vijay nos juntamos a Mernosh que nos aguardava pacientemente. Sendo um parsi, e não um hindu, também não podia entrar no templo. Como Vijay não armou nenhuma questão para que ele entrasse conosco, só restou ao seu fiel escudeiro aguardar a nossa volta sentado diante das quatro portas "cósmicas", que se dispõem em direções opostas, tentando adivinhar por qual delas sairíamos. É claro que Vijay não saiu pela que entrou e ainda me pediu para sair por outra. Só para confundir o amigo e, talvez, ministrar-lhe alguma "sábia" lição a respeito da Confusão Universal. Não sendo por isso, seria apenas porque Vijay é um incorrigível e adorável brincalhão, um "trickster".

Na casa do irmão de Mernosh, vão os deuses dormir

Publicado em Diário de viagem
Nasik, 16/02/1975


Voltávamos à Nasik. O velho ônibus cinzento e amassado cumpria o seu destino de misturar gentes, de chacoalhá-las e... trocá-las de lugar.

Assaltavam-me as questões do Sadhu, ou melhor, as minhas questões a respeito do Sadhu:

O que é brincar com os deuses?

Será uma comunhão, ou uma afronta?

Num provocante vestido vermelho: Eliana-Parvati!

Publicado em Diário de viagem
Nasik, 17/02/1975 (a)


Dormi tranquilo.

O quarto aconchegante, a cama confortável, o estômago agradecido, o corpo relaxado, a gostosa sensação de ter cumprido uma aventura.

Era como se tivesse dado uma boa "trepada" o que, aliás, foi exatamente o que aconteceu ontem. De fato, dei uma boa trepada em Brahmagiri!

Revela-se uma mulher delicadamente: Mângala

Publicado em Diário de viagem
Nasik, 17/02/1975 (b)


Pela manhã fomos à casa de Sudha e Mângala, cunhado e irmã de Vijay, para pegar minhas poucas coisas. Tínhamos resolvido que eu ficaria definitivamente hospedado na casa dos parsis, com mais conforto, e mesmo uma mesinha que puseram no quarto em que dormimos ontem. Poderia escrever e estudar

Senti um indisfarçável desapontamento nos olhos de Mângala. Talvez lhe parecesse estar sendo ingrato, talvez se magoasse por ter preferido outra casa que não a sua. Mas não demorei a perceber que era uma outra coisa...